As antigas atividades de mineração na cidade de Ouro Preto promoveram intensas alterações na morfologia dos terrenos durante os séculos XVII e XVIII. Cessadas estas atividades, processos erosivos e de movimentação de massas passaram a comandar a geodinâmica superficial. Com o passar do tempo, muitas áreas atingiram um estado de equilíbrio precário. A retomada do crescimento a partir de 1950 e a escassez de áreas adequadas para a urbanização, somadas à falta de planejamento, fizeram com que a cidade crescesse em direção às áreas mineradas. Como resultado, inúmeros e diversificados problemas afetam estes locais atualmente, devido à reativação dos processos.
1. INTRODUÇÃO
A cidade de Ouro Preto foi fundada e desenvolveu-se a partir da descoberta de abundantes depósitos de ouro aluvionar no final do século XVII. O auge da corrida do ouro ocorreu durante os primeiros quartéis do século XVIII com intensas atividades mineradoras subterrâneas e a céu aberto, em vales e encostas, principalmente na Serra de Ouro Preto, limite norte da atual cidade.
A partir do final do século XIX e início do século XX, a cidade sofreu um esvaziamento econômico e político, em função da mudança da capital do Estado para Belo Horizonte. O desenvolvimento retornou em 1950, com as atividades de mineração do ferro e outros minérios, inclusive o ouro, além da implantação de algumas indústrias na região. A partir dos anos sessenta, o crescimento da população e a conseqüente necessidade de criação de novas áreas urbanas não foram acompanhados por planejamento prévio adequado, originando uma expansão caótica da malha urbana. Em função disto, vários locais onde se desenvolveram atividades de mineração no passado, na maioria das vezes com características morfológicas e
geotécnicas desfavoráveis, foram ocupados, desencadeando ou reativando muitos processos gerando assim um quadro problemático no que se refere à segurança da população e das estruturas.
2. CARACTERIZAÇÃO DO MEIO FÍSICO
Ouro Preto localiza-se na região central do Estado de Minas Gerais, distando cerca de 90 km da capital, Belo Horizonte e a 800 km Brasília. A cidade está implantada em um grande vale limitado pelas serras de Ouro Preto a norte e Itacolomi a sul, por onde corre o Ribeirão do Funil (Figura 1). Os traços do relevo, acidentado com vertentes bem íngremes e vales profundos e encaixados, mostram uma clara dependência deste à geologia local. O principal elemento da paisagem na área urbana é a Serra de Ouro Preto, limite norte da malha urbana, que estende-se ocupando tanto o vale principal, como as vertentes e contrafortes das serras, principalmente a Serra de Ouro Preto.
A Serra de Ouro Preto representa o flanco sul de uma grande estrutura regional conhecida como Anticlinal de Mariana. O substrato é constituído por metassedimentos de idade paleoproterozóica - filitos, quartzitos, xistos e formações ferríferas - profundamente afetados por eventos tectônicos. A estrutura regional orienta-se na direção leste-oeste, possuindo as camadas mergulhos gerais para sul, na ordem dos 30º
As condições geológicas e geomorfológicas são fatores predisponentes à ocorrência de movimentos de massa e processos erosivos (Sobreira, 1991). As condições climáticas, com períodos de chuvas intensas e prolongadas, complementam o quadro de predisposição ao desenvolvimento de processos geodinâmicos de caráter superficial, principalmente escorregamentos, erosão e movimentação de materiais rochosos, que se manifestam durante a estação chuvosa.
3. AÇÃO ANTRÓPICA NO MEIO FÍSICO
Nos locais onde eram executadas as lavras de ouro foram realizados grandes desmontes, escavações, transporte e deposição de material removido, abertura de poços, galerias e canais, além de desmatamento generalizado. Tais trabalhos deflagraram intensos processos erosivos e de movimentação de massa, aumentando ainda mais a devastação provocada pelas atividades extrativas.
À medida que o ouro se exauria e as lavras migravam, esta população periférica também se mudava, abandonando suas casas, que eram destruídas com o tempo. A exaustão das reservas de ouro economicamente lavrável no final do século XVIII e a transferência da capital para Belo Horizonte em 1897 provocaram sucessivos esvaziamentos na cidade, tendo como conseqüência o despovoamento da periferia e a preservação da paisagem em torno do núcleo histórico até 1950.
A partir dos anos 60, o processo de expansão da cidade se deu de maneira desordenada, sem respeitar as imposições inerentes às qualidades dos terrenos. Antigos núcleos periféricos, muitas vezes em locais de lavra, foram se adensando, formando uma urbanização caótica e criando bairros em total desarmonia com o conjunto arquitetônico da cidade. A partir deste período começam a ser registradas ocorrências de acidentes envolvendo movimentos de massa (escorregamentos e erosões), principalmente nos períodos chuvosos.
3.1. Mineração
Vestigíos de trabalhos de mineração subterrânea ocorrem de forma profusa ao longo de toda a serra de Ouro Preto. De forma excepcional, estes trabalhos estão presentes nos bairros Veloso, Lages, Morro Santana, Piedade e Taquaral . Essencialmente, tais vestígios compreendem cerca de 350 poços e galerias, os quais possuem extensão bastante variável, desde 10 a 400 m. De fato, a ausência de critério no planejamento e execução dos trabalhos foi responsável pelo caráter anti-econômico destas lavras e pelo elevado passivo
ambiental deixado pelas mesmas.
Do ponto de vista do impacto sobre o meio físico-social da cidade, dois aspectos devem ser destacados. O primeiro diz respeito à questão da estabilidade destas galerias. As regiões próximas à superfície topográfica são muito susceptíveis a desabamentos, causando recalque das estruturas de casas e ruas adjacentes Este problema foi verificado em alguns pontos do Bairro Santana, comprometendo algumas residências. Um segundo aspecto diz respeito ao aproveitamento, pela população, de água, cujas nascentes foram redirigidas para o interior desses locais. A ocupação de zonas próximas às nascentes sem a adequada infra-estrutura
sanitária está comprometendo a qualidade destas águas, constituindo-se em uma situação de risco para a comunidade.
Se na lavra subterrânea, mais localizada, não houve critérios no planejamento e desenvolvimento das atividades, muito pior aconteceu nos trabalhos a céu aberto, que envolveram extensas áreas e cujo passivo ambiental deixado foi muito maior. Estas atividades buscavam a extração do ouro que ocorria disseminado ou em níveis estratiformes na formação ferrífera bandada nos setores em que estes terrenos encontravam-se mais alterados e friáveis, portanto de mais fácil desmonte. Para se chegar à formação ferrífera era necessário proceder a destruição da crosta laterítica, cujos blocos e fragmentos resultantes eram jogados encosta a baixo, ou por vezes acumulado em pilhas, que em alguns pontos atingiram dimensões consideráveis. O desmonte hidráulico era o processo mais comum, aproveitando águas de chuvas ou captadas de nascentes na Serra do Ouro Preto, caracterizando um processo quase que totalmente aleatório e predatório, descompromissado com o futuro uso destas áreas.
Estes trabalhos de mineração representaram a primeira grande intervenção antrópica nomeio físico na Serra de Ouro Preto, resultando na total descaracterização do ambiente natural.
A atividade simultânea de milhares de escravos, durante um período de quase cem anos, provocou uma alteração paisagística e ambiental de grandes proporções, com a total mudança da geometria das encostas, alteração total da rede de drenagem natural, formação de grandes depósitos de detritos e blocos rochosos a meia encosta, criação de taludes íngremes e instáveis e desencadeamento de processos erosivos acelerados, que passaram a atuar como principal condicionante ao desenvolvimento e evolução das encostas.
Todas áreas que foram palco destes trabalhos têm problemas quanto à estabilidade dos terrenos, seja pelos declives acentuados, pelas péssimas qualidades dos terrenos e depósitos produzidos, pela existência de inúmeros blocos rochosos e de crosta laterítica, pela drenagem irregular e pela inexistência de cobertura vegetal de porte. Uma vez cessadas as atividades de mineração, os processos erosivos e de movimentação de massa passaram a comandar ageodinâmica superficial da serra, fazendo com que muitas áreas, com o passar do tempo, atingissem um estado de equilíbrio, na maioria das vezes precário.
3.2. Ocupação Urbana Recente
Até a década de 50 apenas o núcleo histórico preservado e algumas zonas marginais representavam a malha urbana. Nos anos 60, embora já houvesse algum crescimento, este se limitou a algumas zonas mais afastadas do perímetro histórico. Entretanto, algumas áreas atingidas pela antiga mineração começaram a ser utilizadas . A partir dos anos setenta, o crescimento populacional acelerado e o processo de migração da população
brasileira do campo para a cidade se fez refletir em Ouro Preto. Neste período a expansão da malha urbana representou um crescimento da ordem de 40% da área então ocupada. A escassez de terrenos mais adequados e a falta de planejamento por parte do poder público fez com que esta expansão se desse em direção aos terrenos alterados pela antiga mineração do ouro e suas cercanias.
A partir deste período começam a ser registradas ocorrências de acidentes envolvendo movimentos de massa, principalmente escorregamentos e erosões, nos períodos chuvosos. Embora o crescimento da cidade tenha diminuído bastante nos últimos anos qualquer evento chuvoso pode ter efeitos catastróficos para a cidade, em particular nos bairros mais novos.
4. CARACTERIZAÇÃO DOS IMPACTOS FÍSICOS E SOCIAIS
Algumas situações ocorrentes se repetem freqüentemente na cidade e estão ligados diretamente às formas de utilização do meio físico e à natureza geológica dos terrenos. Um primeiro problema típico está associado à ocupação de antigos locais de lavra de ouro, totalmente alterados por esta atividade e com estabilidade geral duvidosa. Este talvez seja o principal problema relacionado ao desenvolvimento mais recente da malha urbana. Um segundo aspecto refere-se aos processos ativos da geodinâmica superficial. Processos erosivos
acelerados, naturais ou desencadeados pela ação humana, encontram nos terrenos da cidade um ambiente perfeito para sua atuação, devido às características morfológicas e geotécnicas desfavoráveis. A dimensão de muitas formas erosivas geralmente inviabilizam ou colocam em risco imediato as suas adjacências. A utilização inadequada e predatória do meio físico (entendido como recurso territorial) caracteriza um terceiro problema tipo, manifestando-se através da implantação de cortes e taludes ousados, o despejo aleatório ou mesmo clandestino de material mobilizado, a interrupção de linhas de drenagem e a progressiva remoção da frágil vegetação.
Desta forma, fica claro que os problemas existentes na cidade de Ouro Preto, em particular na Serra de Ouro Preto, não decorrem apenas das condições naturais desfavoráveis, mas também em parte considerável da má utilização do meio físico e da falta de planejamento e adoção de procedimentos regidos por critérios técnicos consagrados.Embora de um modo geral as situações de risco geológico sejam freqüentes e comuns
na área urbana de Ouro Preto, no presente trabalho as ações concentraram-se em zonas mais críticas na serra de Ouro Preto, assim consideradas pelo número e porte de locais problemáticos. Estes locais foram objeto de estudos mais detalhados (Sobreira et al., 1990;
Sobreira, 1992; Fonseca e Sobreira, 1997; Sobreira e Fonseca, 1998; Gomes et al., 1998), que em alguns casos atingiram a fase de proposição de solução conceptual para o combate dos problemas.
5. CONCLUSÕES
As intervenções humanas no meio físico na área onde hoje se instala a cidade de Ouro Preto provocaram grandes alterações na paisagem natural, principalmente no local conhecido como serra de Ouro Preto. As antigas atividades de mineração do ouro desencadearam o desenvolvimento de processos geodinâmicos superficiais em muitas áreas, proporcionando um rápida evolução do relevo, até que fosse atingido um equilíbrio precário. Uma Segunda fase de intervenção, mais recente, se deu pela ocupação desordenada destas áreas e atuou como um elemento reativador e desencadeador de processos erosivos e movimentos
gravitacionais de massa, principalmente escorregamentos, erosões e quedas de blocos. O levantamento e detalhamento das áreas mais problemáticas, levados a cabo ao longo do estudo, provêm uma boa base para subsidiar medidas preventivas, corretivas e mitigadoras a serem efetuadas no combate destes problemas. Por outro lado, aspectos culturais, históricos e patrimoniais devem ser levados em conta no planejamento da ocupação e expansão urbana.
BIBLIOGRAFIA
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originalmente postado em http://www.labogef.iesa.ufg.br/links/simposio_erosao/articles/T024.pdf