domingo, 27 de novembro de 2011

Ocupação Urbana e as peculiaridades da Serra de Ouro Preto

As antigas atividades de mineração na cidade de Ouro Preto promoveram intensas alterações na morfologia dos terrenos durante os séculos XVII e XVIII. Cessadas estas atividades, processos erosivos e de movimentação de massas passaram a comandar a geodinâmica superficial. Com o passar do tempo, muitas áreas atingiram um estado de equilíbrio precário.  A retomada do crescimento a partir de 1950 e a escassez de áreas adequadas para a urbanização, somadas à falta de planejamento, fizeram com que a cidade crescesse em direção às áreas mineradas. Como resultado, inúmeros e diversificados problemas afetam estes locais atualmente, devido à reativação dos processos.  

1. INTRODUÇÃO
A cidade de Ouro Preto foi fundada e desenvolveu-se a partir da descoberta de abundantes depósitos de ouro aluvionar no final do século XVII. O auge da corrida do ouro ocorreu durante os primeiros quartéis do século XVIII com intensas atividades mineradoras subterrâneas e a céu aberto, em vales e encostas, principalmente na Serra de Ouro Preto, limite norte da atual cidade.
A partir do final do século XIX e início do século XX, a cidade sofreu um esvaziamento econômico e político, em função da mudança da capital do Estado para Belo Horizonte. O desenvolvimento retornou em 1950, com as atividades de mineração do ferro e outros minérios, inclusive o ouro, além da implantação de algumas indústrias na região. A partir dos anos sessenta, o crescimento da população e a conseqüente necessidade de criação de novas áreas urbanas não foram acompanhados por planejamento prévio adequado, originando uma expansão caótica da malha urbana. Em função disto, vários locais onde se desenvolveram atividades de mineração no passado, na maioria das vezes com características morfológicas e 
geotécnicas desfavoráveis, foram ocupados, desencadeando ou reativando muitos processos gerando assim um quadro problemático no que se refere à segurança da população e das estruturas.

2. CARACTERIZAÇÃO DO MEIO FÍSICO
Ouro Preto localiza-se na região central do Estado de Minas Gerais, distando cerca de 90 km da capital, Belo Horizonte e a 800 km Brasília. A cidade está implantada em um grande vale limitado pelas serras  de Ouro Preto a norte e Itacolomi a sul, por onde corre o Ribeirão do Funil (Figura 1). Os traços do relevo, acidentado com vertentes bem íngremes e vales profundos e encaixados, mostram uma clara dependência deste à geologia local. O principal elemento da paisagem na área urbana é a Serra de Ouro Preto, limite norte da malha urbana, que estende-se ocupando tanto o vale principal, como as vertentes e contrafortes das serras, principalmente a Serra de Ouro Preto. 
A Serra de  Ouro Preto representa o flanco sul de uma grande estrutura regional conhecida como Anticlinal de Mariana. O substrato é constituído por metassedimentos de idade paleoproterozóica  - filitos, quartzitos, xistos e formações ferríferas  - profundamente afetados por eventos tectônicos. A estrutura regional orienta-se na direção leste-oeste, possuindo as camadas mergulhos gerais para sul, na ordem dos 30º
As condições geológicas e geomorfológicas são fatores predisponentes à ocorrência de movimentos de massa e processos erosivos (Sobreira, 1991). As condições climáticas, com períodos de chuvas intensas e prolongadas, complementam o quadro de predisposição ao desenvolvimento de processos geodinâmicos de caráter superficial, principalmente escorregamentos, erosão e movimentação de materiais rochosos, que se manifestam durante a estação chuvosa. 

3. AÇÃO ANTRÓPICA NO MEIO FÍSICO
Nos locais onde eram executadas as lavras de ouro foram realizados grandes desmontes, escavações, transporte e deposição de material removido, abertura de poços, galerias e canais, além de desmatamento generalizado. Tais trabalhos deflagraram intensos processos erosivos e de movimentação de massa, aumentando ainda mais a devastação provocada pelas atividades extrativas. 
À medida que o ouro se exauria e as lavras migravam, esta população periférica também se mudava, abandonando suas casas, que eram destruídas com o tempo. A exaustão das reservas de ouro economicamente lavrável  no final do século XVIII e a transferência da capital para Belo Horizonte em 1897 provocaram sucessivos esvaziamentos na cidade, tendo como conseqüência o despovoamento da periferia e a preservação da paisagem em torno do núcleo histórico até 1950. 
A partir dos anos 60, o processo de expansão da cidade se deu de maneira desordenada, sem respeitar as imposições inerentes às qualidades dos terrenos. Antigos núcleos periféricos, muitas vezes em locais de lavra, foram se adensando, formando uma urbanização caótica e criando bairros em total desarmonia com o conjunto arquitetônico da cidade. A partir deste período começam a ser registradas ocorrências de acidentes envolvendo movimentos de massa (escorregamentos e erosões), principalmente nos períodos chuvosos.

3.1. Mineração 
Vestigíos de trabalhos de mineração subterrânea ocorrem de forma profusa ao longo de toda a serra de Ouro Preto. De forma excepcional, estes trabalhos estão presentes nos bairros Veloso, Lages, Morro Santana, Piedade e Taquaral . Essencialmente, tais vestígios compreendem cerca de 350 poços e galerias, os quais possuem extensão bastante variável, desde 10 a 400 m. De fato, a ausência de critério no planejamento e execução dos trabalhos foi responsável pelo caráter anti-econômico destas lavras e pelo elevado passivo 
ambiental deixado pelas mesmas. 
Do ponto de vista do impacto sobre o meio físico-social da cidade, dois aspectos devem ser destacados. O primeiro diz respeito à questão da estabilidade destas galerias. As regiões próximas à superfície topográfica são muito susceptíveis a desabamentos, causando recalque das estruturas de casas e ruas adjacentes Este problema foi verificado em alguns pontos do Bairro Santana, comprometendo algumas residências. Um segundo aspecto diz respeito ao aproveitamento, pela população, de água, cujas nascentes foram redirigidas para o interior desses locais. A ocupação de zonas próximas às nascentes sem a adequada infra-estrutura 
sanitária está comprometendo a qualidade destas águas, constituindo-se em uma situação de risco para a comunidade. 
Se na lavra subterrânea, mais localizada, não houve critérios no planejamento e desenvolvimento das atividades, muito pior aconteceu nos trabalhos a céu aberto, que envolveram extensas áreas e cujo passivo ambiental deixado foi muito maior. Estas atividades buscavam a extração do ouro que ocorria disseminado ou em níveis estratiformes na formação ferrífera bandada nos setores em que estes terrenos encontravam-se mais alterados e friáveis, portanto de mais fácil desmonte. Para se chegar à formação ferrífera era necessário proceder a destruição da crosta laterítica, cujos blocos e fragmentos resultantes eram jogados encosta a baixo, ou por vezes acumulado em pilhas, que em alguns pontos atingiram dimensões consideráveis. O desmonte hidráulico era o processo mais comum, aproveitando águas de chuvas ou captadas de nascentes na Serra do Ouro Preto, caracterizando um processo quase que totalmente aleatório e predatório, descompromissado com o futuro uso destas áreas.
Estes trabalhos de mineração representaram a primeira grande intervenção antrópica nomeio físico na Serra de Ouro Preto, resultando na total descaracterização do ambiente natural. 
A atividade simultânea de milhares de escravos, durante um período de quase cem anos, provocou uma alteração paisagística e ambiental de grandes proporções, com a total mudança da geometria das encostas, alteração total da rede de drenagem natural, formação de grandes depósitos de detritos e blocos rochosos a meia encosta, criação de taludes íngremes e instáveis e desencadeamento de processos erosivos acelerados, que passaram a atuar como principal condicionante ao desenvolvimento e evolução das encostas. 
Todas áreas que foram palco destes trabalhos têm problemas quanto à estabilidade dos terrenos, seja pelos declives acentuados, pelas péssimas qualidades dos terrenos e depósitos produzidos, pela existência de inúmeros blocos rochosos e de crosta laterítica, pela drenagem irregular e pela inexistência de cobertura vegetal de porte. Uma vez cessadas as atividades de mineração, os processos erosivos e de movimentação de massa passaram a comandar ageodinâmica superficial da serra, fazendo com que muitas áreas, com o passar do tempo, atingissem um estado de equilíbrio, na maioria das vezes precário. 

3.2. Ocupação Urbana Recente
Até a década de 50 apenas o núcleo histórico preservado e algumas zonas marginais representavam a malha urbana. Nos anos 60, embora já houvesse algum crescimento, este se limitou a algumas zonas mais afastadas do perímetro histórico. Entretanto, algumas áreas atingidas pela antiga mineração começaram a ser utilizadas . A partir dos anos setenta, o crescimento populacional acelerado e o processo de migração da população 
brasileira do campo para a cidade se fez refletir em Ouro Preto. Neste período a expansão da malha urbana representou um crescimento da ordem de 40% da área então ocupada. A escassez de terrenos mais adequados e a falta de planejamento por parte do poder público fez com que esta expansão se desse em direção aos terrenos alterados pela antiga mineração do ouro e suas cercanias. 
A partir deste período começam a ser registradas ocorrências de acidentes envolvendo movimentos de massa, principalmente escorregamentos e erosões, nos períodos chuvosos. Embora o crescimento da cidade tenha diminuído bastante nos últimos anos qualquer evento chuvoso pode ter  efeitos catastróficos para a cidade, em particular nos bairros mais novos.

4. CARACTERIZAÇÃO DOS IMPACTOS FÍSICOS E SOCIAIS
Algumas situações ocorrentes se repetem freqüentemente na cidade e estão ligados diretamente às formas de utilização do meio físico e à natureza geológica dos terrenos. Um primeiro problema típico está associado à ocupação de antigos locais de lavra de ouro, totalmente alterados por esta atividade e com estabilidade geral duvidosa. Este talvez seja o principal problema relacionado ao desenvolvimento mais recente da malha urbana. Um segundo aspecto refere-se aos processos ativos da geodinâmica superficial. Processos erosivos 
acelerados, naturais ou desencadeados pela ação humana, encontram nos terrenos da cidade um ambiente perfeito para sua atuação, devido às características morfológicas e geotécnicas desfavoráveis. A dimensão de muitas formas erosivas geralmente inviabilizam ou colocam em risco imediato as suas adjacências. A utilização inadequada e predatória do meio físico (entendido como recurso territorial) caracteriza um terceiro problema tipo, manifestando-se através da implantação de cortes e taludes ousados, o despejo aleatório ou mesmo clandestino de material mobilizado, a interrupção de linhas de drenagem e a progressiva remoção da frágil vegetação.
Desta forma, fica claro que os problemas existentes na cidade de Ouro Preto, em particular na Serra de Ouro Preto, não decorrem apenas das condições naturais desfavoráveis, mas também em parte considerável da má utilização do meio físico e da falta de planejamento e adoção de procedimentos regidos por critérios técnicos consagrados.Embora de um modo geral as situações de risco geológico sejam freqüentes e comuns 
na área urbana de Ouro Preto, no presente trabalho as ações concentraram-se em zonas mais críticas na serra de Ouro Preto, assim consideradas pelo número e porte de locais problemáticos. Estes locais foram objeto de estudos mais detalhados (Sobreira  et al., 1990; 
Sobreira, 1992; Fonseca e Sobreira, 1997; Sobreira e Fonseca, 1998; Gomes et al., 1998), que em alguns casos atingiram a fase de proposição de solução conceptual para o combate dos problemas. 

5. CONCLUSÕES
As intervenções humanas no meio físico na área onde hoje se instala a cidade de Ouro Preto provocaram grandes alterações na paisagem natural, principalmente no local conhecido como serra de Ouro Preto. As antigas atividades de mineração do ouro desencadearam o desenvolvimento de processos geodinâmicos superficiais em muitas áreas, proporcionando um rápida evolução do relevo, até que fosse atingido um equilíbrio precário. Uma Segunda fase de intervenção, mais recente, se deu pela ocupação desordenada destas áreas e atuou como um elemento reativador e desencadeador de processos erosivos e movimentos 
gravitacionais de massa, principalmente escorregamentos, erosões e quedas de blocos. O levantamento e detalhamento das áreas mais problemáticas, levados a cabo ao longo do estudo, provêm uma boa base para subsidiar medidas preventivas, corretivas e mitigadoras a serem efetuadas no combate destes problemas. Por outro lado, aspectos culturais, históricos e patrimoniais devem ser levados em conta no planejamento da ocupação e expansão urbana. 

BIBLIOGRAFIA
FONSECA, M. A. & SOBREIRA, F. G.  O escorregamento do bairro da Piedade, Ouro 
Preto, Minas Gerais: Processos de instabilidade em antigas áreas de mineração. In: 2nd 
Pan-American Symposium on Landslides, 1997, Rio de Janeiro.  Anais... Associação 
Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica,.  pp 139-144. 1997.
GOMES R. C., ARAÚJO, L.G, BONUCCELLI, T. & SOBREIRA, F. G.  Condicionantes 
geotécnicos do espaço urbano de Ouro Preto/MG. In: XI Congresso Brasileiro de 
Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, 1998, Brasília. Anais... Associação 
Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, 1998 pp 363-370. 1998.
SOBREIRA, F. G. Riscos geológicos: definição de pontos críticos em Ouro Preto. Revista da 
Escola de Minas, Ouro Preto, v. 44, n. 3 e 4, jul/dez, p. 213-223, 1991.
SOBREIRA, F. G ARAÚJO, L. G E BONUCCELLI, T.  Levantamento de soluções 
estruturais para a contenção de encostas em Ouro Preto. Ouro Preto: Convênio UFOPMinistério da Cultura/SPHAN. 91p, 1990.
SOBREIRA, F. G. Urban landslide as a consequence of old mining in Ouro Preto, Brazil. In: 
Sixth International Symposium of Landslides, 1992, Christchurch, New Zealand. 
Proceedings... International Association of Engineering Geology, 1992. p.1419-1422.
SOBREIRA, F. G. & FONSECA, M. A.  Geologic risk resulting from the land use of old 
mining sites in the Piedade neighborhood, Ouro Preto, Minas Gerais, Brazil. In: 8º
International Congress of Engineering Geology, 1998, Vancouver. Proccedings... 
International Association of Engineering Geology, september, 1998.  Vol 7 p. 2025-
2029.1998.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Da ALCAN para NOVELIS da NOVELIS para quem? II a remediação ambiental.



Área limpa



Com técnicas corretas de remediação e rigoroso processo de aprovação, áreas contaminadas no passado podem receber empreendimentos


Por Telma Egle





Numa época em que não havia legislação ambiental específica, a liberação de terrenos contaminados com elementos tóxicos e poluentes - alguns até voláteis e cancerígenos - era feita de maneira fácil e até irresponsável, o que permitia construir quase que de imediato no local.

Não faltam casos clássicos, que ainda hoje têm grande repercussão na mídia, como o do condomínio residencial Barão de Mauá, no município de Mauá (SP) - construído numa área de 160 mil m2, antes ocupado pela fábrica de amortecedores Cofap como um depósito clandestino de resíduos tóxicos da empresa (leia boxe Ecos do passado) -, e do condomínio residencial Recanto dos Pássaros, em Paulínia, interior de São Paulo, que tiveram os lençóis freáticos contaminados e obrigados a proibir os moradores de beberem água dos poços e ingerirem alimentos de produção doméstica.
Ainda hoje, após décadas de práticas de desenvolvimento sem qualquer responsabilidade social ou preocupações com a sustentabilidade do meio ambiente, restaram muitos terrenos onde foram desenvolvidas atividades potencialmente poluidoras do solo e das águas subterrâneas.
Até há pouco tempo não havia no País uma legislação específica que tratasse das responsabilidades pela remediação de áreas contaminadas. Ainda assim, o tema já era abordado em alguns artigos de leis ambientais federais e estaduais. A boa notícia é que algumas legislações específicas começam a ser aprovadas por aqui. No Estado de São Paulo, por exemplo, a lei 13.577, recentemente aprovada em julho de 2009, é pautada em diretrizes e procedimentos para proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas. Já no âmbito federal, uma Resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que trata das mesmas diretrizes, foi recentemente aprovada e entra em vigência agora no primeiro semestre de 2010.
A partir desse amparo legal e com as demandas urgentes para a preservação do meio ambiente, o Brasil tratou de se posicionar para resolver questões como essa. O tema descontaminação de solos passou a ser encarado de frente não só pelas autoridades ambientais, mas também pelas companhias especializadas em técnicas de saneamento e por empresas de consultoria jurídica. O novo cenário passou a despertar o interesse de construtoras em adquirir grandes terrenos antes considerados problemáticos (por terem sido ocupados por algum tipo de empresa poluente) em regiões de grande valor comercial.
"Entretanto, a empresa que adquirir um terreno contaminado e expuser pessoas aos riscos inerentes, sem adotar o devido procedimento de regularização do solo, para posteriormente obter a aprovação dos órgãos competentes, estará sujeita a assumir as consequências decorrentes da ação irresponsável", alerta o engenheiro Alfredo Rocca, gerente da Divisão de Resíduos Sólidos e Áreas Contaminadas da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).
Fonte: Relatório da Cetesb
Passado ainda presente
O relatório da Cetesb de 2008 (o mais recente) registrou um total de 2.514 áreas contaminadas no Estado. Nesses terrenos, os postos de combustíveis lideram a lista, com 78% do total, seguido das atividades industriais (13%), atividades comerciais (5%), instalações para destinação de resíduos (3%), além dos casos de acidentes e fonte de contaminação de origem desconhecida (1%).
A identificação de áreas contaminadas tem sido feita anualmente pela Cetesb desde o primeiro relatório da Companhia, em 2002, que apontava, na época, um total de 255 terrenos contaminados. De lá para cá, o número de áreas registradas e identificadas aumentou consideravelmente (veja gráfico).
Segundo a Companhia, a origem das áreas contaminadas se deve, em grande parte, ao desconhecimento, no passado, de procedimentos seguros para o manejo de substâncias perigosas, bem como ao desrespeito a esses procedimentos ou a ocorrência de acidentes ou vazamentos durante processos de produção, transporte ou armazenamento de matérias-primas.
Entre os diversos problemas decorrentes de terrenos como esses constam desde sérios danos à saúde humana até comprometimento da qualidade da água, restrições ao uso do solo e danos ao meio ambiente, só para citar alguns exemplos.

Respaldo técnico
Se cresce o interesse das construtoras - determinadas em transformar áreas antes consideradas problemáticas em terrenos mais verdes e potencialmente mais sustentáveis -, é importante entender como o processo deve, literalmente, se desenrolar. Sempre que um empreendedor tiver a intenção de adquirir um terreno, deve procurar se informar se ali foram desenvolvidas atividades poluidoras do solo e das águas subterrâneas. No caminho percorrido devem constar consultas à prefeitura local, junta comercial, além de órgãos ambientais. "Caso haja suspeita de contaminação, a empresa deverá procurar serviços especializados de avaliação preliminar e investigação. Confirmada a contaminação, a companhia responsável pelo meio ambiente no Estado [por exemplo, em são Paulo, a Cetesb], deve ser informada e aí se inicia um processo de investigação detalhada, diagnóstico e intervenção, com objetivo de reabilitar a área para um uso seguro", aconselha o engenheiro Rocca. Essas atividades têm orientação específica, em São Paulo, no site da Cetesb (www.cetesb.sp.gov.br) e são avaliadas pela Companhia.
Identificada uma área contaminada, a companhia ambiental exige e avalia os resultados dos estudos de investigação e diagnóstico, realizados no terreno por empresas especializadas do mercado. Depois, participa no processo de decisão sobre as necessidades de intervenção para reabilitar a área para um uso seguro. Concluída a intervenção, emite uma declaração garantindo que o terreno foi reabilitado para o uso desejado.
O que vai determinar o tempo de aprovação, por exemplo, da Cetesb, é a extensão, a complexidade da contaminação e a qualidade dos trabalhos que a empresa de consultoria especializada realizou. Já o aval da Prefeitura normalmente é coordenado com o da Cetesb, ou seja, a Prefeitura só irá aprovar o empreendimento depois que a Companhia Ambiental definir quais medidas de intervenção são necessárias para reabilitar a área.
O caminho das pedras
A intervenção ou descontaminação de um terreno pode ser iniciada a qualquer momento, a partir da conclusão do diagnóstico e definição da intervenção. Vale lembrar que cabe à companhia ambiental avaliar os trabalhos e propor ajustes, complementações ou eventuais correções nos processos.
Uma empresa especializada em descontaminação e/ou regularização do solo deve atuar em todas as etapas do gerenciamento ambiental, desde a identificação do passivo e sua valoração, para só então definir as medidas de controle, sejam elas de remediação e/ou institucionais (como a restrição do uso de águas subterrâneas, por exemplo), além do monitoramento das obras e trabalhadores (com objetivo de protegê-los) durante a fase de implantação do projeto imobiliário. "Esse tipo de atuação é muito importante, pois permite que o empreendedor otimize os gastos, considerando que nem toda a área impactada deve ser remediada, sendo aplicáveis muitas vezes medidas de gerenciamento (as chamadas institucionais)", lembra Daniel Cardoso, hidrogeólogo e gerente de projetos da Hidroplan, empresa especializada em hidrogeologia de contaminação e em avaliação de risco toxicológico de áreas contaminadas.
Uma empresa capacitada para a gestão e reabilitação de áreas contaminadas deve contar com uma equipe multidisciplinar, entre geólogos, hidrogeólogos, engenheiros civis e químicos, além de químicos e biólogos. "A atuação é, em geral, abrangente, passa pela avaliação e investigação das áreas impactadas, acompanhamento do desenvolvimento e a implantação de projetos de remediação, além de avaliação da eficiência da tecnologia empregada e fornecimento de suporte ao cliente final, junto às autoridades competentes", complementa Gustavo Alves da Silva, gerente de projetos da Hidroplan e também hidrogeólogo.
Bom negócio X problema
Colocar na balança as vantagens e desvantagens de se negociar uma área poluída ou contaminada é uma questão a ser avaliada individualmente, caso a caso. Como ponto de partida, pressupõe-se que seja um terreno "problemático" inclusive sob o aspecto financeiro e de aprovação dos órgãos governamentais e ambientais. Somam-se aí os custos a serem destinados aos processos de remediação, "que muitas vezes podem ser superiores a milhões de reais", observa o hidrogeólogo Gustavo Alves.
Mesmo sendo os danos de responsabilidade da empresa poluente - desde que a mesma seja proprietária do terreno -, os custos do passivo ambiental passam a ser de responsabilidade do novo proprietário, resguardadas as definições previstas no contrato de compra e venda do local.
Um terreno contaminado pode, sob o ponto de vista do investimento, na grande maioria das vezes, representar um grande negócio para o comprador e não um problema. O termômetro da balança que vai determinar isso aponta para como o processo de gerenciamento de áreas contaminadas e revitalização será conduzido. "O desenvolvimento adequado e sistemático das etapas de diagnóstico e avaliação de risco à saúde humana podem determinar, em alguns casos, a ausência da necessidade de remediação para um determinado uso pretendido. Estratégias de intervenção focadas em estabelecer restrições e intervenções de engenharia são amplamente utilizadas hoje em dia e amparadas legalmente", pondera Alexandre Maximiano - coordenador técnico da Aesas (Associação Brasileira das Empresas de Consultoria e Engenharia Ambiental) e diretor-executivo da Tecnohidro Projetos Ambientais.
"Muitas vezes também a aquisição de um terreno contaminado é negociada por um valor menor. Se a construtora estiver respaldada por esse bom gerenciamento das atividades ambientais, é possível rentabilizar o projeto sem comprometer a integridade física dos trabalhadores e futuros moradores", concorda o gerente de projetos Daniel Cardoso, da Hidroplan.

Caso bem-sucedido
Um terreno de 23 mil m2, localizado na Marginal Pinheiros e adquirido pela WTorre Empreendimentos em 2007, para a construção de torres comerciais, abrigava uma indústria metalúrgica. No momento da aquisição as atividades foram descomissionadas - que é a desativação formal, junto à Cetesb. Para isso, houve a necessidade de se apresentar um relatório de avaliação ambiental, comprovando que a atividade exercida não teria provocado nenhum tipo de risco ao meio ambiente. Essa avaliação ambiental, que é realizada em fases, iniciou-se ainda em 2006, antes da aquisição. Os relatórios dessas fases foram encaminhados à Cetesb para análise e parecer técnico durante os anos de 2007 e 2008. A avaliação apontou contaminação do solo basicamente por PCB, que são derivados de petróleo.
Após a etapa de avaliação, foi contratada uma empresa especializada em regularização, para gerenciar as demais empresas envolvidas no processo. Entre as técnicas aplicadas, o trabalho pautou a remoção do solo contaminado, que foi acondicionado em tambores devidamente identificados e encaminhados a uma usina de incineração na Bahia. Foram realizados os trabalhos de escavação do solo, transporte e a incineração. "No local da escavação, foram realizados testes geoquímicos para assegurar que todo material tinha sido retirado. Ainda durante esses trabalhos, uma estação de tratamento de água foi instalada no local para tratar as águas de chuvas e de limpeza dos equipamentos que entraram em contato com o material contaminado. Concluídas as análises, iniciou-se o reaterro da área e em seguida a desmobilização da equipe de campo", explica Fernando Freitas, gerente de aprovações da WTorre.
Nesse caso, o que fez toda a diferença foi a rápida identificação da contaminação, para que, a partir daí, se pudesse executar a remediação proposta, concluindo o processo de descomissionamento. "Esses custos são claramente da empresa poluente, o próprio rito processual para o descomissionamento exige providências do poluidor", conta Freitas. "Nesse processo, acompanhamos os trabalhos passo a passo, com olhar de proprietário, porém a responsabilidade não era da WTorre. Ainda estamos trabalhando no desenvolvimento do produto que será lançado. As obras certamente irão aguardar as aprovações do município", conclui.



Técnicas de remediação
As técnicas de remediação podem ser aplicadas para descontaminação de solo e de águas subterrâneas e podem ser divididas, basicamente, em dois tipos: técnicas in situ e técnicas ex situ. No primeiro grupo, a contaminação é tratada diretamente no meio impactado. No segundo grupo, os contaminantes são trazidos para a superfície por meio de métodos diferenciados - envolvendo sempre a remoção, com escavação (solos) ou bombeamento (águas) - e passam por rigoroso tratamento antes de serem dispostos novamente ao meio natural.
Cada técnica possui vantagens e desvantagens em relação à outra e os fatores a serem considerados na escolha de cada uma delas dependem das propriedades dos contaminantes e da extensão da contaminação, como também os condicionantes geológicos (tipos de solo: areia, argila ou silte; e ainda a profundidade do nível da água), além dos recursos financeiros a serem aplicados para implantação e monitoramento da remediação.


escontaminação em praça pública
Considerada como uma referência de sustentabilidade no Brasil, a Praça Victor Civita, localizada no bairro de Pinheiros, zona Oeste de São Paulo, e vizinha ao prédio da editora Abril, surgiu como um projeto pioneiro de revitalização de uma área degradada, baseado em modelos internacionais.
A área, que até final da década de 80 abrigou um centro de processamento de resíduos domiciliares e hospitalares, depois passou a ser ocupada por três cooperativas que faziam a triagem de materiais recicláveis e recebia cerca de 200 t de resíduos diariamente. Por conta disso, muitos funcionários da editora passaram a questionar se haveria uma solução e a polêmica chegou à presidência da editora. Paralelamente, a SVMA (Secretaria do Verde e do Meio Ambiente) e a Cetesb já tinham interesse em desenvolver estudos na área, até mesmo porque também eram vizinhos do terreno com cerca de 13 mil m2.
Em 2002 a Abril assinou um protocolo de intenções com a prefeitura da cidade, referente à realização de um projeto público na área. Logo depois, a Cetesb e a SVMA passaram a fazer investigações do solo e das águas do local e detectaram a contaminação do terreno. O projeto também teve apoio de outros órgãos técnicos e ambientais, como a GTZ, Agência Alemã de Cooperação Técnica.
As obras começaram pela descontaminação do prédio do antigo incinerador - onde hoje funciona o Museu da Sustentabilidade - e seguiram com as obras de contenção da contaminação do solo e construção da Praça, inaugurada no final de 2008.
O Termo de Cooperação assinado entre a Abril e a Prefeitura permitiu encontrar parceiros como a construtora Even, o banco Itaú e a Petrobras para viabilizar as obras, pois o custo foi relativamente alto (R$ 10,5 milhões, divididos em cotas diferentes para cada parceiro e mais da metade arcados pela Abril).
O projeto arquitetônico do escritório Levisky Arquitetos Associados conta com decks de concreto e de madeira, que servem de pista de caminhada e mais de 2.000 m2 de canteiros suspensos sobre um sistema de captação de águas pluviais para irrigação de plantas.
Ecos do passado
O caso do condomínio Barão de Mauá, localizado no município de Mauá, e que reúne 1,7 mil apartamentos, distribuídos em diversas torres construídas num terreno de 160 mil m2, veio a público depois de uma explosão ocorrida em abril de 2000, quando estava sendo realizada a manutenção em uma bomba de uma das caixas d'água subterrâneas instaladas no condomínio: um operário morreu e outro teve 40% do corpo queimado. Um deles teria usado um isqueiro. A Cetesb atribuiu a explosão ao acúmulo de gás metano e, então, descobriu-se que o conjunto de 72 prédios foi construído num aterro industrial clandestino ocupado pela Cofap, o qual havia sido aterrado com resíduos sólidos industriais, com predominância de areias de fundição. Segundo laudos da Cetesb, a área foi contaminada por compostos orgânicos e inorgânicos, alguns deles voláteis, entre outras substâncias tóxicas, de origem desconhecida.
Na época, a Cetesb aplicou multa à empresa responsável pela construção dos edifícios e exigiu ações de monitoramento, identificação, caracterização e remediação do solo e das águas subterrâneas.
Apesar de nem todos os edifícios terem sido construídos sobre os resíduos - a maioria foi implantada em áreas que não sofreram contaminação - muitas exigências técnicas passaram a ser aplicadas no local. Entre elas, monitoramento dos índices de explosividade e também da qualidade do ar; ventilação forçada dos espaços fechados; proibição do uso das águas subterrâneas e monitoramento da qualidade da água de abastecimento público ali fornecida; adequação dos playgrounds, posicionando-os sobre uma camada de argila compactada; extração forçada de vapores e gases do subsolo; monitoramento do sistema de extração de gases do subsolo, cujos resultados indicam que a área afetada por gases reduziu-se bastante no período de operação do sistema, entre outras medidas emergenciais.
Além de todas essas iniciativas, em resposta às exigências da Cetesb, as secretarias estadual e municipal de Saúde e o Ministério da Saúde têm desenvolvido ações destinadas à caracterização dos eventuais danos à saúde da população exposta aos contaminantes existentes no local.
Requalificação de espaços urbanos
A busca por soluções mais verdes para o País começa a seguir exemplos de países como os Estados Unidos e outros do continente europeu. Na Alemanha, por exemplo, onde os terrenos são mais escassos do que no Brasil, já há legislações específicas para a recuperação de brownfields - termo urbanístico que designa não somente áreas contaminadas, mas qualquer terreno com suspeita ou percepção de contaminação. Nos Estados Unidos, projetos como esse recebem incentivos fiscais do governo, para que o empreendedor recupere áreas contaminadas. Revitalizar os brownfields contribui para a requalificação de espaços urbanos e para a conservação do patrimônio histórico, além de promover o desenvolvimento sustentável.

Conheça os métodos mais utilizados de remediação de solos
Bombeamento e tratamentoÉ das mais antigas e utilizadas técnicas de remediação físicas do mundo. Baseia-se na remoção de águas subterrâneas, por meio da utilização de bombas submersas ou emersas, que promovem a remoção dos contaminantes. A água bombeada é tratada por meio de filtros de carvão ativado ou colunas de stripper (um processo que transfere a massa dos contaminantes voláteis da água para o ar).
Oxidação químicaA tecnologia é baseada na injeção de oxidantes químicos em áreas contaminadas (águas subterrâneas ou solo), com o objetivo de destruir o contaminante por meio de reações químicas e converter sua massa em compostos inertes encontrados na natureza.
Extração multifásica (multi phase extraction - MPE)Outra técnica de remediação bastante empregada. Poços de bombeamento são distribuídos na área de interesse. O sistema utiliza a técnica de remoção de massa a vácuo, possibilitando a extração da fase livre.
A chamada Fase Livre é um tipo de fonte secundária de contaminação. Imagine a contaminação por combustíveis: um tanque de gasolina enterrado é uma fonte primária. Se a gasolina vazou e entrou em contato com o lençol freático, como é menos densa que a água e emissível, ou seja, não se mistura, caracteriza-se como uma fase separada, que pode ser classificada como fase livre (quando a substância tem mobilidade, pode vazar num ponto e se estender para outro) ou residual (que permanece na área fonte da origem do vazamento).
Aspersão de ar (air sparging) Injeta-se ar pressurizado no lençol freático, com o objetivo de "expulsar" as substâncias voláteis dissolvidas na água. Essa técnica de remediação deve ser associada ao sistema de extração de vapores (SVE), para onde os contaminantes são carregados.

BiorremediaçãoMicro-organismos são inseridos na área a ser tratada para promover a oxidação biológica dos contaminantes. Esses micro-organismos absorvem substâncias orgânicas presentes no solo ou na água subterrânea, transformando-as, principalmente, em água e gases inofensivos, como o dióxido de carbono.

Extração de vapores no solo (SVE)É uma tecnologia de remediação física, aplicada para zonas não saturadas, na qual se aplica vácuo com o objetivo de induzir o fluxo controlado de ar e assim remover contaminantes voláteis e semivoláteis do solo. Utilizada para extração de Compostos Orgânicos Voláteis (VOCs).


Revitalização passo a passo de uma área contaminada
Conheça as diferentes etapas que envolvem o processo de recuperação de um terreno contaminado

1) Quando há suspeitas de que a área é contaminada - questionamento que pode ser feito tanto pela construtora quanto pela prefeitura municipal - o órgão ambiental exige que seja feita uma avaliação e uma investigação.

2) Para fazer essa investigação, a construtora contrata os serviços de uma empresa especializada, que deverá realizar os trabalhos seguindo os procedimentos estabelecidos pelo órgão ambiental.

3) Quando é confirmada a contaminação, a investigação prossegue até a delimitação da área de contaminação e a avaliação de risco à saúde humana, que tem como objetivo tornar a área segura para o uso.

4) Depois de delimitada a contaminação, a empresa especializada apresenta ao órgão ambiental um plano de intervenção. Devem constar todas as medidas necessárias à ocupação segura da área, inclusive as medidas de engenharia e de restrição de uso.



5) O órgão ambiental aprova os níveis mínimos aceitáveis (definido na avaliação de risco à saúde humana) e o plano de intervenção para a área em questão, após a avaliação do material apresentado.

6) A empresa especializada dá início à implantação do plano de intervenção, que pode demandar a remediação de solo e/ou de águas subterrâneas. O tempo previsto pode ser de um mês até um ano.

7) Após a aplicação do plano de intervenção (com os níveis mínimos aceitáveis aprovados tendo sido atingidos), a empresa especializada inicia um plano de monitoramento nos solos e águas subterrâneas e encaminha as informações ao órgão ambiental.

8) O órgão emite um parecer que, se for positivo, é seguido de um termo de reabilitação para o uso pretendido. A empresa deve monitorar os resultados da intervenção. Esse processo é chamado de monitoramento para encerramento de caso e pode se estender por até dois anos.

9) A liberação do alvará poderá ser feita, em alguns casos, no momento da aprovação do plano de reabilitação, desde que os trabalhos possam ser feitos em paralelo à construção.

Pesquisa e tecnologia
O IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) agora faz parte dos comitês gestor e técnico-científico do capítulo brasileiro da Relasc (Rede Latino Americana de Prevenção de Sítios Contaminados), lançada oficialmente em setembro de 2009. O objetivo da Rede é promover a troca de experiências entre países do continente nas pesquisas sobre remediação e revitalização de áreas contaminadas.
O grande problema apontado pela comunidade científica é a maneira como as legislações anteriores tratavam o assunto. Nessa época acreditava-se que bastava enterrar os resíduos para remediar um local. Hoje, além de todo o crivo técnico e legislação que regula o assunto, é preciso que haja acompanhamento mais extensivo.
"Um terreno é considerado descontaminado quando as concentrações de contaminantes atingem as metas de remediação desejadas, mas é preciso considerar que os níveis de contaminação podem voltar a crescer ao longo do tempo", explica Scandar Gasperazzo Ignatius, pesquisador do IPT e especialista em engenharia de solos.
O tempo de remediação envolve muitas variáveis, mas em geral é longo. Num alerta, o pesquisador do IPT informa que, muitas vezes, alguns parâmetros necessários aos cálculos não são determinados experimentalmente, mas adotados os valores default dos softwares. "Os valores default podem não refletir as condições locais, conduzindo a erros ainda mais graves de previsão", alerta Scandar.



http://www.revistatechne.com.br/engenharia-civil/156/imprime167705.asp

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Da ALACAN para NOVELIS da NOVELIS para quem?

Em 1950, quando o governo do então presidente Eurico Gaspar Dutra instalou, no recém-inaugurado Instituto de Malariologia, na Baixada Fluminense, uma fábrica de pesticida (HCH – hexaclorociclohexano – o “pó-de-broca”), talvez ainda não fossem conhecidos os riscos da contaminação do solo e o que isso poderia causar à saúde das pessoas. O instituto funcionava dentro da Cidade dos Meninos, um projeto social do governo federal inaugurado em 1943.
No início dos anos 1960, a fábrica foi desativada, deixando abandonada em suas instalações algo em torno de 300 toneladas de material químico. O resultado é que o solo foi contaminado e, tempos depois, exames de sangue realizados em jovens da Cidade dos Meninos constataram uma elevada taxa de contaminação por HCH. A história foi parar na Justiça.
Hoje, em pleno terceiro milênio, o perigo da ocupação de áreas contaminadas sem que um processo de descontaminação tenha sido feito já é mais do que conhecido no Brasil e no mundo. Eu diria que mesmo há quinze ou vinte anos atrás, quando vários conjuntos habitacionais, condomínios e centros de compras ocuparam áreas de antigos lixões ou de indústrias altamente poluentes que fecharam as portas, os riscos já eram conhecidos.
No Estado de São Paulo, o debate sobre poluição industrial existe desde os anos 1970, pelo menos, e desde 2001 a Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) faz o levantamento de áreas contaminadas. Mas apenas no final de 2009 uma norma nacional específica sobre o tema foi estabelecida no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
De acordo com a Cetesb, mais de 3.600 áreas contaminadas já foram identificadas em São Paulo, sendo algumas delas consideradas críticas. Por incrível que pareça, algumas dessas áreas ainda estão ocupadas e, na maioria das vezes, quando os proprietários são acionados por órgãos públicos através de alertas e multas, preferem enfrentar o problema na Justiça.
Vejamos o caso do Shopping Center Norte, construído sobre um lixão. Uma guerra de liminares e contra-liminares abre e fecha o shopping, enquanto no vizinho conjunto habitacional Cingapura, construído na década de 1990 pela própria prefeitura em cima do mesmo lixão, os moradores aguardam uma solução.
A prefeitura diz que não há perigo iminente de explosão, mas, sexta-feira passada, a Justiça determinou a remoção imediata dos moradores, que, obviamente, não querem sair. A questão é que as pessoas sabem o que geralmente ocorre numa remoção: elas passam a viver em moradias “provisórias”, muito mais precárias, ao longo de vários anos, sem que o prometido retorno para suas antigas casas aconteça. Até que fica tudo por isso mesmo… É por isso que elas não querem sair.
Coincidentemente (ou não?), na lista de áreas críticas da Cetesb existem mais duas Cohabs – uma em Heliópolis e outra em Vila Nova Cachoeirinha. Certamente, ali, os moradores não contrataram advogados para acionar a prefeitura e exigir indenizações. Certamente, ali, o custo da descontaminação – geralmente alto – tem sido uma justificativa para a ausência de ação imediata e definitiva, para além de um monitoramento de riscos.
Este é um dos xis da questão: descontaminar uma área antes de ocupar é caro. Este custo deveria ser arcado por quem causou a poluição, mas, no Brasil, sempre se dá um jeitinho – “o terreno ficou ali vazio e ninguém precisa saber que ele está contaminado, né?”. Então se constrói em cima e “depois se resolve”. Só que o depois, muitas vezes, pode custar a saúde e a vida de muitas pessoas. E, evidentemente, a questão está bem mal encaminhada em termos de gestão e de identificação de responsabilidades

http://raquelrolnik.wordpress.com/2011/10/13/terrenos-contaminados-quem-paga-o-pato/

 

O ensaio da Raquel Rolnik é interessante, nós em Ouro Preto, temos também vários terrenos contaminados devido ao processo metalurgico de produção do Alumínio. Passivos ambientais que começaram com a ALCAN, passaram para a Novelis e para quem vão sobrar?..
O crescimento da cidade já indica que esses terrenos serão ocupados, a garagem municipal por exemplo, no terreno da antiga panificadora no Bairro Bauxita,  terreno que tem uma estação de tratamento da  água subterrânea com rejeitos industriais, fica a pergunta o que será dessa poluição? ou da lagoa aterrada do Buraco Quente? do terreno do lago de rejeitos do vermelhão?  Ouro Preto precisa crescer, existem varios passivos ambientais na área urbana, passivos que poderiam resolver alguns problemas habitacionais atuais e  serem relegados as futuras gerações?.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Pede-se uma política de turismo para Ouro Preto

Por Mauro Werkema -Jornalista

Um destino turístico qualifica-se por duas condições absolutamente essenciais: a singularidade, exemplaridade ou raridade dos seus atrativos e a organização/qualidade dos seus serviços turísticos. A primeira condição é o grande diferencial de Ouro Preto, herdeira de um excepcional acervo histórico e artístico, representado por seu patrimônio urbanístico e arquitetônico, bastante preservado, obras de arte e singular história, o que lhe valeu três importantes títulos: Cidade Patrimônio Nacional, de 1933, concedido por Getúlio Vargas, o tombamento pelo IPHAN, em 1938 e o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela UNESCO, em 1980. Quanto ao segundo atributo, podemos dizer que ainda não é uma cidade turística quanto à organização dos serviços de orientação e informação, recepção, acolhimento, organização urbana e sua mobilidade, recepção nos monumentos, adequação na oferta de serviços e por aí afora.
Esta não é uma opinião teórica ou distante. É a constatação real, concreta, vivida e experienciada por quem, no último domingo, dia 9, conduziu um grupo de 16 pessoas a Ouro Preto, maestros, cantores e dirigentes de ópera, visitantes ilustres, com boa formação cultural e elevado senso crítico. O passeio torna-se uma aventura, um esforço concentrado para evitar desacertos e contrariedades e que, afinal, atormenta e irrita. Se a beleza e o reconhecido e admirado valor artístico-cultural dos monumentos, a contemplação do casario em exemplar harmonia e suas belas fachadas, as igrejas e museus, agradam extraordinariamente ao visitante, por outro lado a impressão que fica da organização da cidade para receber o turista acaba por destruir qualquer boa impressão. A opinião final acaba sendo negativa, tamanhas as dificuldades, impedimentos, falta de acolhimento, de orientação e informação, em claro despreparo da cidade para com o visitante, que sente uma espécie de agressividade ou mesmo hostilidade. Vejamos:
Logo ao chegar, o simples ato de encostar uma van, na Praça Tiradentes, em frente ao Centro da Fiemg, somente para descer os passageiros, já se torna difícil, não há lugar reservado e um guarda municipal, sem maiores educações, já vai dizendo que é proibido, não pode, será multado. E não diz também onde pode parar ou onde estacionar. Será tão difícil definir um local para vans, transporte coletivo, que deve ser incentivado? Quem sabe garagens edificadas, meio subterrâneas, aproveitando os desníveis das encostas? Falta educação e informação, para que possam bem orientar o visitante que traz recursos para a cidade e que devem ser bem tratados. Em frente ao Museu da Inconfidência, um palanque, monstrengo na sua configuração e usurpador do belo frontispício, similar do Museu Capitolino, de Roma, impede a visão e a fotografia.
O assédio nas ruas é constante. Guias improvisados, sem registro e treinamento, embora a profissão seja regulamentada. Vendedores de pedras. Corretores de restaurantes e hotéis. Os menos avisados, sobretudo mulheres, se assustam com o incômodo, especialmente com as abordagens deseducadas. A informação, em geral, é falha e imprecisa e nunca completa como se poderia esperar de um destino como Ouro Preto, internacional. Deveria haver um posto turístico de plantão, destinado a orientar, atender e solucionar questões, sob a responsabilidade do poder público municipal. Não há disponibilidade de folheto único, folders ou cartazes. Não há práticas comerciais em uso em todo o mundo. Há hoje bons restaurantes e hotéis, mas a orientação é falha. E a mobilidade urbana é cada vez mais difícil. Há exceções, evidentemente, mas não muitas.
A Igreja de São Francisco, visita principal, fecha para almoço. E o funcionário desliga a iluminação no rosto dos visitantes para expulsá-los da igreja. Para onde vai o recurso obtido na porta, certamente suficiente para pagar uma melhor recepção? Compreende-se que a Rua São José necessita de obra publica. Mas não se pode compreender que a obra, que realiza intervenção relativamente simples, em cidade histórica, em via essencial ao traçado urbano, demore tanto. O que se configura é que não há uma política pública de turismo. Não há gestão turística nem boa relação público/privada, essencial nesta atividade para as cidades turísticas. Não há manutenção do treinamento já realizado, em inúmeros cursos, pelo Sebrae, Senac, Prefeitura e outros organismos, envolvendo os profissionais que lidam com o público. Nos dias de maior movimento, nos fins de semana, instala-se uma espécie de “salve-se quem puder”, no trânsito, no deslocar-se, na escolha de prestadores de serviço. Enfim, ao visitante mais esclarecido fica a impressão de que a cidade não gosta de turistas. Por todo isto é que o motorista da van, no final da viagem, confessa: Para nós, é o pior lugar para se trazer visitantes.

publicado originalmente em http://www.ouropreto.com.br/noticias/detalhe.php?idnoticia=5264. Acessado em 14/10/2011.

Achei o Texto oportuno, já que o Município recebeu o Premio Rodrigo Melo Franco de Andrade, pela gestão do patrimônio imóvel, e continua com os mesmos problemas anteriores ao dito planejamento: Crescimento desordenado, falta de assistência técnica, a pressão sobre as áreas naturais e a favelização aceralada dos morros. Mais que gestão precisamos de ação.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Participação social é diferente de trabalho social . 1/2

o que é Trabalho Social? Para que serve? Quem faz?
O que é: o trabalho social  promove a mudança social, a resolução de problemas no âmbito das relações humanas e a promoção das capacidades e aptidões das pessoas de forma a promover o seu bem-estar. Utilizando teorias de comportamento humano, da morfologia urbana e de sistemas sociais, o trabalho social intervém nos pontos onde as pessoas interagem com os seus ambientes. Assim, o respeito pelos direitos humanos e de justiça social são fundamentais para o trabalho social.O desempenho do trabalho social  relaciona-se com a necessidade de resolução dos problemas sociais  com  foco em intervenção sobre os problemas das pessoas dentro do seu contexto ambiental, equacionando intervenções sistêmicas e ecológicas. Isto, porque os indivíduos são influenciados pelas forças de tudo do seu  entorno: familia, local de trabalho, grupos de referência, entre outros…
Para que serve: o trabalho social aplica os ideais humanitários e democráticos, buscando condições para a dignidade e equidade da pessoa humana. A sua intervenção consiste, sobretudo, no desenvolvimento de capacidades individuais, coletivas e sociais aos níveis cognitivo, relacional e organizativo.
Quem faz: o trabalho Social deve ser implementado por equipes pluridisciplinares de  profissionais de acordo com a demanda determinante, organizando as necessidades e problemas sociais, emocionais e econômicos das pessoas. Norteando politicas e aplicando programas públicos necessários e serviços  específicos de forma a satisfazer as necessidades da comunidade; proporcionando as comunidades e organizações acesso a identificação das suas necessidades; ajudar as pessoas a promover o seu funcionamento  e/ou pessoal através da disponibilização de serviços inexistentes ou do encaminhamento para serviços já em funcionamento;
segue...

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Muita coisa por nada.. O caso da Rua São José e os Problemas Urbanos de Ouro Preto. 1/10



Da Casa dos Contos ao Largo da Alegria, passando pela casa de Tiradentes, a rua São José é uma das mais charmosas vias de Ouro Preto. Uma das poucas ruas planas da cidade, ela é passagem para quem quer ir às igrejas do Pilar e do Rosário.

A rua sempre teve tradição de comércio. O Almanaque de Ouro Preto, de 1890, mostra que havia na rua dentistas, fabricantes de calçados, de mobílias, ourives, farmácias, fotógrafos, alfaiates, charutarias, restaurantes, duas casas de tiro ao alvo, colchoarias, salões de barbeiros, relojoeiros, negociantes de fazendas, de ferragens, de louças, de chapéus, de gêneros, de peixes e frutas, além do Depositário de Tecidos da Companhia Cedro e Cachoeira.

Hoje, a rua abriga os bancos Real, Itaú, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e HSBC. A Receita Federal fica no térreo da Casa dos Contos, o museu da moeda de Ouro Preto, onde morreu o inconfidente Cláudio Manoel da Costa. O tradicional Hotel Toffolo, com mais de 100 anos de vida, abrigou várias pessoas ilustres, como Pedro Nava, Afonso Arinos de Melo Franco e o poeta Vinícius de Moraes. Mais à frente, na casa onde nasceu o poeta Alphonsus de Guimarães, há o restaurante Chafariz. Na parte superior da casa, é possível comprar o tradicional licor de jabuticaba, feito pela bioquímica Maria José Trópia, a Zezé. Completam a lista de iguarias o Café & Cia e o restaurante Sabor de Minas.

Há ainda muitas lojas de roupas, de cosméticos, de artigos para casa, de móveis, de artesanato. E a tradicional loja do sr. Almiro Neves, com cerca de 70 anos de existência; uma das mais antigas da rua, assim como a Pharmácia Central, capitaneada pelo farmacêutico Almir Barbosa. A papelaria Kodak, do sr. José Gomes, é também uma das mais antigas lojas da rua.

As atrações turísticas da rua são a Casa dos Contos, a Ponte dos Contos, em cantaria, e a casa onde hoje funciona a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Ouro Preto. Esta casa está no terreno onde teria vivido Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Segundo a lenda, quando demoliram a casa que se encontrava no terreno, encontraram moedas e barras de ouro, além de alguns documentos. Com medo, ele destruiu os documentos, e vendeu as barras de ouro. Não há comprovação desse fato, mas é mais uma bela história da rua São José.

Logo ali, quase no agitado Largo da Alegria, moram os rapazes da república Boite Casablanca. Anônimos ou não, desde que chegaram a Ouro Preto alcunham agora o apelido recebido nos primeiros dias de Bixo. São eles os responsáveis pela harmonia nas noites de cantoria. Animados ao som do violão, que se pode ouvir do topo da Rua da Escadinha, cortam a madrugada com as canções regionais e a Viola de Folia.

Era da sacada branca daquela casa que o Sinistro tomava conta da rua. Durante o dia ficava ali, cabeça pra fora da grade acompanhando os passos dos pedestres que em baixo passavam. Se a campainha tocasse, ele recebia quem fosse no pé da escada – com o humor que merecesse a visita, é claro! As mulheres, sempre bem-vindas, ele acompanhava até o corredor como quem dá o braço a uma donzela. Com sua capa sempre preta e os olhos azuis, tinha a expressão séria e respeitadora. Por preguiça, dormia até mesmo ali na sacada. A não ser nas noites de viola à beira da churrasqueira, onde mantinha a ordem e permanecia sentado ao calor do fogo, quase sempre aos carinhos de uma amada.

No bucolismo das primeiras décadas do século XX, a rua São José abrigava o mais animado carnaval de Ouro Preto. As pessoas iam para a rua para cantar e dançar ao som das marchinhas compostas pelos blocos carnavalescos. As laranjas de cheiro, confete e serpentinas e os até então inocentes lança-perfumes dividiam o espaço com famílias inteiras, que se divertiam nos dias de folia. Nos demais dias do ano, a rua era o ponto do footing, no início da noite. Moças e rapazes iam e voltavam pela rua, dando meia volta no Largo da Alegria. Geralmente era no footing o início dos namoros. Muitos viraram até casamento. O nome oficial da rua São José era Tiradentes, devido à tradição que afirma que o inconfidente tinha uma casa na rua. Afonso Arinos de Melo Franco, no livro Roteiro Lírico de Ouro Preto, comenta a duplicidade dos nomes da rua. “O poeta e eu subíamos, subíamos, sem saber nem para onde, tínhamos certeza de que estávamos na rua de S. José, mas as placas teimavam em dizer rua Tiradentes. Em Ouro Preto se passa essa coisa curiosa. O povo chama S. José à rua que a Prefeitura chama de Tiradentes. Já à rua que os poderes municipais crismaram de S. José o povo chama de Rosário”, diz


Fonte do texto: 
http://www.boitecasablanca.com/index.php?option=com_content&view=article&id=6&Itemid=5 http://ezerberus.multiply.com/photos/album/1087/1087


foto retirada de www.falaouropreto.com.br

A cidade assiste a mais longa obra de saneamento no seu centro, onde manobras judiciais, dúvidas e muita terra dividem espaço com a nossa rotina diária.
A cidade não pode ficar apenas focada em querelas minusculas e sim na solução do seus grandes problemas. Quando a Lei da Assistência Técnica de Engenharia e Arquitetura Pública sairá do papel?

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Torres de Koolhas em Xangai

Rem Koolhaas cria conjunto de torres multiuso inspirado no caos de Xangai

20.06.2011



O escritório OMA, do arquiteto holandês Rem Koolhaas, apresentou seu projeto para o Global Financial Centre on the Bund, um complexo multiuso com diferentes tipologias reunidas em uma série de torres, que será construído em XangaiChina



De acordo com os arquitetos, o projeto é insipirado na identidade da cidade, ”uma colagem fragmentada de diferentes estilos e escalas, com uma arquitetura que circula entre o tradicional, o colonial, o comunista e o pós-moderno”.



A proposta do OMA procura repetir essa diversidade ao reunir torres com usos, alturas e formas distintos



circulação de pedestres, porém, agrega os diferentes programas e conecta o conjunto ao entorno.





Além disso, os arquitetos do estúdio holandês dizem que o complexo foi projetado para se tornar um novo símbolo da cidade, uma vez que ele margeia a orla da cidade e ocupa uma área na rota dos navios turísticos que circulam pela região.



Veja mais: www.oma.eu


Imagens: OMA
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quinta-feira, 16 de junho de 2011

Entrevista com Richard Rogers

O arquiteto ítalo-britânico Richard Rogers esbanja vitalidade em seus quase 78 anos de idade e mais de 40 de profissão. Agraciado com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza em 2006 e com o Prêmio Pritzker em 2007, está desenvolvendo projetos de grande escala em cidades como Nova York, Berlim, Londres e Paris, além da China e da Austrália - nesta, um empreendimento de uso misto com 1 milhão de metros quadrados.

O senhor mencionou certa vez haver experiências boas e ruins no trato da arquitetura com as cidades. Poderia nos dar exemplos extraídos de sua produção?

No passado, estive próximo do prefeito de Barcelona, que é provavelmente a cidade mais interessante que conheço. Também trabalhei por muitos anos com o primeiro-ministro da Inglaterra [Tony Blair] e com o prefeito de Londres, responsável pela área de arquitetura e urbanismo da cidade.

Atualmente tenho projetos em Nova York, Paris, Florença, Berlim, Sydney e há muitos anos, é claro, projetei o Pompidou, que é de certa forma um trabalho tão importante como elemento urbano quanto como edificio.O coração é a praça para a qual está orientado o museu e é fundamental para a vitalidade da arquitetura o modo como as pessoas se movem ao longo da fachada. A encomenda deste projeto pedia um lugar para todos. Todas essas experiências, somadas, apresentam aspectos bons e outros nem tanto.
Richard Rogers
Richard Rogers conversou com PROJETO DESIGN sob o sol do início de uma tarde de março no Rio de Janeiro, uma hora antes de sua apresentação no evento A Cidade Somos Nós, organizado pelo Institute for Transportation & Development Policy (ITDP), com o apoio do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). O clima ensolarado o fez desejar transferir a palestra para a praia; afinal, brincou o inglês, informalidade é uma característica dos brasileiros. Na entrevista, as cidades e a sustentabilidade foram os temas reiterados por Rogers, habituado a defender publicamente o papel do arquiteto como um agente político - mesmo quando o assunto foi o Centro Georges Pompidou, em Paris, que ele projetou nos anos 1970 (em parceria com Renzo Piano). Das influências à sua arquitetura, Rogers destacou a personalidade dos seus pais, a ambiência estimulante da cidade natal (Florença, na Itália) e a atitude progressista britânica, que intitulou com a expressão “shocking the new”.
Na França, o projeto do presidente Nicolas Sarkozy, chamado Le Grand Paris, tem encontrado muita resistência para sair do papel. Como está caminhando o seu trabalho na capital francesa?

Fui assessor do [ex-presidente François] Mitterrand na França, em trabalhos relacionados ao ambiente físico. Ao longo do tempo, os governantes foram percebendo o vínculo que há entre a qualidade de vida e os ambientes construído, o intelectual e o econômico, até que, estreitando a abordagem, o presidente Sarkozy convidou dez escritórios para pensar a Paris do futuro. Metade deles franceses, metade de outros países. Pusemos lado a lado as condicionantes econômicas, juntamos equipes de engenharia e, olhando para Paris numa dimensão política, de infraestrutura e espaços públicos, tentamos pensar lá na frente. Nós nos concentramos em áreas específicas da cidade, embora guiados por uma abordagem abrangente.

O que visualizamos muito rapidamente foi a grande diferença que há entre o centro de Paris e o seu entorno. São cerca de 2 milhões de habitantes contra 7 milhões nos arredores. É uma cidade clássica, formada por um centro e seus anéis, como numa árvore. O centro funciona bem, mas fora dele há problemas sérios. O problema, então, se tornou olhar para a periferia e pensar como introduzir sustentabilidade nesse sistema territorial e político segregado de Paris, melhorar a qualidade de vida do seu subúrbio. Todo lugar tem algum tipo de centro que pode ser enfatizado através de operações simples, como uma parada de ônibus ou de trem, talvez uma casa de saúde, por exemplo. Procuramos por esses centros nos arredores de Paris e, além disso, pensamos num modo de oferecer transporte de boa qualidade para os seus moradores.
Ao que tudo indica, essa questão dos transportes é o que sobreviverá do ambicioso Le Grand Paris. A opinião pública parece pouco afeita às intervenções arquitetônicas propostas pelo plano.
Você tem que pensar no plano como uma consulta política, não como um projeto tradicional e consolidado. Olhe, nos últimos milênios as cidades existiram pela mesma razão, são lugares de encontro. Nada mudou nesse sentido, cidades continuam sendo centros sociais e econômicos, embora, é claro, tenham mudado as condições tecnológicas. Em Paris, então, a questão é o que fazer com as áreas periféricas, como torná-las locais de encontro e, junto com isso, pensar no que fazer com o transporte público regional.
Na Inglaterra, por exemplo, é proibido construir fora da cidade, em área que não tenha sido usada antes. Temos tantas áreas abandonadas por causa das mudanças industriais, da pobreza, enfim, que não faz sentido espalhar a cidade. Precisamos de centros urbanos compactos. Usar essas áreas livres antes de expandir para algum lugar é o único modo de criar um ambiente sustentável. Vocês deveriam pensar nisso aqui no Brasil. É simples, temos que aumentar a densidade populacional e diversificar o transporte público.Sustentabilidade é uma questão de adequar as cidades existentes, não apenas um problema técnico ou energético.

Essa segregação entre centro e periferia, ricos e pobres, é um fenômeno mundial?

Em Londres há regras para evitar a segregação, a favelização da cidade. Construir muros é algo restritivo lá, por isso acho estranhos esses condomínios fechados que vocês têm aqui no Brasil. Não faz sentido se apropriar da infraestrutura pública em proveito do domínio privado. Mas segregação é algo ruim tanto aqui como em qualquer outro lugar do mundo. O caminho da sustentabilidade é inverso, fazer com que as pessoas se misturem nas cidades. Paris tem que expandir seus locais de lazer urbano para além do círculo central. Não importa se no contexto residencial ou no comercial, temos que encontrar espaços para implantar novas centralidades urbanas e isso, sim, é algo que depende do bom desenho, porque o ambiente físico afeta diretamente o modo como vivemos. E o modo como vivemos afeta diretamente o ambiente físico, há uma reciprocidade. A qualidade do desenho é uma questão crítica.
Todo mundo gosta de Veneza, por exemplo, porque entendemos a beleza dos seus lugares, suas praças propiciam momentos de relaxamento, suas passagens funcionam bem e o gabarito compensa a irregularidade do traçado urbano. Enfim, o fenômeno da segregação é de certa forma mundial e tem que ser combatido através da eficiência do ambiente sustentável, do transporte público decente e, claro, da justiça urbana. Não se pode permitir tantas defasagens entre as classes econômicas. Há locais com diferenças mais acirradas e outros melhores em termos de igualdade social. O Brasil tem muito trabalho a fazer nesse sentido, vocês deveriam olhar para si mesmos e perceberem o quanto são afortunados. Olhem para o seu povo e sejam vocês mesmos. São esses alguns dos princípios da sustentabilidade urbana.
Sustentabilidade é uma questão de adequar as cidades existentes, não se trata apenas de um problema técnico ou energético. O caminho da sustentabilidade é inverso da segregação, é fazer com que as pessoas se misturem nas cidades.

As cidades chinesas, em função do crescimento acelerado, apresentam condicionantes especiais de desenho arquitetônico e urbano?

Temos um projeto não construído em Xangai, no qual priorizamos o domínio público. Todos temos direito à vista de uma árvore em nossa janela, ao espaço para a diversão, a ter um parque a dez minutos de casa, enfim, direito ao que é essencial do espaço público. Cidades como Nova York e Barcelona já têm bons espaços públicos, Londres está mudando, temos uma centena de novos espaços públicos lá e estamos cuidando para unir uns aos outros. Em Paris também estamos no mesmo caminho. Um aspecto interessante na China é a movimentação do pedestre em algumas cidades: andar de bicicleta é um aspecto elementar do direito urbano.

Há 15 anos marquei um encontro com o prefeito de Xangai e elogiei a proporção de bicicletas para a de habitantes, algo como 7 milhões para 9 milhões nos anos 1980. Ele não me entendeu, achou que eu estava propondo mudanças. Já em Pudong [distrito de Xangai], onde também temos um projeto, é impossivel andar de bicicleta. Pudong foi feito para os carros. Há boas e más histórias na China, a sustentabilidade é crítica lá porque eles crescem muito rápido. Xangai cresceu em dez anos algo equivalente a uma Londres ou uma Nova York. Nesse cenário, estaremos nos destruindo se não garantirmos o direito à cidade.

Como os arquitetos podem contribuir politicamente para a criação de uma cidade melhor?
Os governantes são um canal eficiente para fazer cidades de sucesso, compreensíveis cultural e socialmente. O oposto é a privação dos direitos do cidadão. Precisamos de cidades que funcionem, que sejam vivas, como algo essencial ao sucesso econômico e político. Eu sempre disse que arquitetura é política.

Poderia citar bons exemplos do que o senhor denomina arquitetura política?

Barcelona foi a melhor cidade olímpica, muito até em função de uma sequência de três ótimos prefeitos. O que temos que pensar é que se gasta numa Olimpíada algo em torno de 10 bilhões de euros, de dólares, seja lá o que for, e isso não pode acontecer a troco de nada. Tem que haver a recompensa de uma cidade agradável, sustentável, que funcione bem. A estratégia de Barcelona foi brilhante: renovar o caminho do mar, dar uso às terras abandonadas e usar o dinheiro da Olimpíada para ligar a cidade ao mar.

Em Londres foi diferente, os Jogos Olímpicos estiveram a serviço dos bairros mais pobres. A cidade tem 32 bairros, sendo os três mais pobres muito pobres, não como as favelas no Brasil, mas ainda assim muito pobres mesmo, e nós inserimos a Olimpíada bem no seu meio para gerar um renascimento arquitetônico e econômico. Criamos um grande parque no centro dessa área pobre e, no meio dele, está localizada a Vila Olímpica, o centro comercial, entre outras coisas. Percebemos que 30% dos esforços eram para a Olimpíada e o restante era para garantir qualidade de vida urbana.

Acho que é o que deveria ser feito também no Brasil, melhorar as áreas pobres com os recursos dos Jogos Olímpicos. O que quero dizer é que a Olimpíada é um problema técnico, que a questão não é construir um estádio. O que importa é a qualidade de vida, porque quando o evento termina devem perdurar seus efeitos por centenas de anos.

Olhando em retrospectiva, em que momento o senhor percebeu que a arquitetura é uma atividade política?

Nasci em Florença, acho que desde sempre percebi que são interligadas as dimensões social, política e arquitetônica. Arquitetura é escolher se a melhor opção é construir uma praça ou um estacionamento, não o modo como o carro vai entrar ou sair do estacionamento. Interessa é pensar como as pessoas vão aproveitar o lugar, como terão condições de se divertir numa praça, conversarem, marcarem encontros. O real valor da arquitetura é proporcionar melhor qualidade de vida. Não estaríamos aqui hoje, nessa praça [no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro], se não fosse assim.

Nesse sentido, que obra ou arquiteto o senhor admira?

O meu favorito é [Filippo] Brunelleschi. Gosto da Renascença de Florença, assim como do protomodernismo. Mas é muito difícil escolher um edifício, eu apontaria vários porque as coisas foram mudando, a vida se transformou bastante. Há centenas de anos nem se pensava no conceito de ambiente sustentável, o mundo como o conhecemos hoje tem dez anos. Podemos nos conectar com a Nova Zelândia e o Canadá, o Brasil está no meio do caminho.


Como foi para o senhor, um estudante de arquitetura...

Foi terrível, fui um péssimo estudante.
Eu queria me referir à possivel influência do trabalho de seu primo, o arquiteto Ernesto Rogers, que foi editor de revistas como Casabella e Domus nos anos 1950 e 1960.
Mais importante foi a influência do pai dele [o arquiteto aponta para Simon Smithson, um dos sócios do escritório Rogers Stirk Harbour + Partners e filho dos arquitetos ingleses brutalistas Alice e Peter Smithson]. Ele exerceu uma fantástica influência na minha formação. Comentei com Simon hoje pela manhã que Ernesto Rogers esteve aqui no Brasil, em 1953. Foi um dos jurados, com Alvar Aalto, da Bienal de São Paulo. Claro que a proximidade do Ernesto me ajudou em certo sentido, como nos primeiros trabalhos que tive no escritório dele.
Mas a verdade é que nasci numa família que nunca se chocou com o novo, uma família moderna, e isso teve aspectos bons e maus. A Inglaterra era muito moderna. Mas eu penso um pouco antes disso até, considerando edifícios industriais como o Palácio de Cristal, que vai além de uma construção clássica. De qualquer forma, meu pais eram modernos, me lembro deles comprando Picasso e os vizinhos achando aquilo muito ruim.

A construção de um de seus primeiros projetos, a casa Creek Van, foi financiada com a venda de um Mondrian. Foi uma grande responsabilidade para o senhor fazer bom uso daquele dinheiro?

Achei horrível. Aquele Mondrian foi vendido por nada e, hoje, vale muito.

Esta é sua primeira visita ao Brasil?

Estive aqui há 20 anos, mas foi tão corrido e cheio de compromissos que nem consegui ver a cidade. O Rio de Janeiro mudou muito desde então, mas continua lindo. Acho que por causa da natureza e da sua relação com o ambiente construído. Não pode haver cidade mais bonita do que esta. O prefeito me emprestou nesta manhã um helicóptero e felizmente pude sobrevoar a cidade. Pensei: é Deus em pessoa, qualquer que seja esse Deus. Há as montanhas, a urbanização e há também certa inteligência na forma adensada da ocupação. O problema é o transporte público.
Por Evelise Grunow
Publicada originalmente em PROJETODESIGN

Urbarquitetura

  • termo que se refere ao pensamento da coisa urbana, da distribuição racional, intencional, com tecnica sobre o território.